Por André Motoharu Yoshino
Fonte:http://www.conjur.com.br/2010-set-19/ministerio-publico-agir-publicidade-enganosa
Em geral, para haver uma relação jurídica é necessária a presença de quatro elementos: sujeitos (pessoas ou entes despersonalizados que possuem uma relação), objeto (bem sobre o que os sujeitos se inter-relacionam), fato jurídico (acontecimentos naturais ou decorrentes da vontade do homem com previsão normativa) e garantia (providências coercitivas para garantir a relação jurídica em caso de violação).
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, os elementos que se verificam presentes em uma relação de consumo são: sujeitos (consumidor e fornecedor), objeto (produto ou serviço) e a necessidade de o consumidor adquirir o produto ou serviço como destinatário final.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) diz que o consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Nestes termos, vejamos o artigo 2º, da Lei 8.078/90:
Art. 2º — Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único — equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.
De acordo com o enunciado do Código de Defesa do Consumidor resta evidente que foi despejada uma proteção ampla sobre a parte mais fragilizada das relações de consumo: o consumidor.
O legislador entendeu necessária a previsão normativa de certos crimes nas relações de consumo serem disciplinados no diploma consumerista, numa tentativa de antecipar o dano, conforme dispõe Ricardo Antônio Andreucci:
Igualmente como ocorre nos crimes previstos no estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor instituiu uma série de normas que visam a proteção efetiva do consumidor. Para sua efetividade, dispôs o legislador, como forma de proteção do bem jurídico e prevenção, sobre delitos contra as relações de consumo. Na função preventiva, significa que o direito penal do consumidor não corre atrás do dano, mas a ele se antecipa. [1]
Assim sendo, verificamos que as 12 condutas, previstas nos artigos 63 a 74 do Código de Defesa do Consumidor não possuem correspondentes no Código Penal. Entretanto, existem crimes que são previstos no Código Penal que se referem nitidamente à violação dos direitos dos consumidores, como o de falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, previsto no artigo 273 do Código Penal, sendo considerado, inclusive, crime hediondo.
Verificando agora os artigos que tratam da propaganda e da publicidade enganosa. O artigo 66 do Código de Defesa do Consumidor tipifica a propaganda enganosa:
Art. 66 — Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo 1º — Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a oferta.
Parágrafo 2º — Se o crime é culposo:
Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.
Verifica-se claramente a hipótese descrita pelo legislador. Trata-se de crime comissivo (fazer afirmação falsa ou enganosa) ou crime omissivo próprio (omitir informação relevante), que possui como sujeito ativo o fornecedor ou patrocinador e como sujeito passivo o consumidor e a coletividade como um todo. Assim, o patrocinador de um produto capilar que promete o crescimento dos cabelos em até 2 centímetros em 1 semana incorre como sujeito ativo neste crime, bem como o anunciante do produto.
Essas práticas não podem ser consideradas raras. Diariamente, nas relações de consumo, nos deparamos com produtos frutos do mercado capitalista, que são diferentes do anunciado, possuem características incompatíveis com a prometida, em quantidade ou qualidade inferior, preço maior na hora da compra, dentre outros anúncios fantasiosos criados pelos fornecedores que afirmam aquilo que convém ao consumidor ouvir, omitindo algumas características de relevância suprema, algumas até essenciais na hora da compra.
A consumação é verificada com a afirmação falsa ou enganosa ou com a omissão sobre informação relevante. Ou seja, na medida que o anunciante transmite informação falsa ou enganosa, ou quando se omite sobre informação relevante o crime é consumado.
Da mesma forma, a publicidade enganosa é tipificada no artigo 67 do Código de Defesa do Consumidor, sendo penalizada a conduta de fazer ou promover publicidade enganosa que sabe ou deveria saber enganosa ou abusiva. Transcreva-se o artigo:
Art. 67 — Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único – (vetado).
Trata-se de norma penal em branco. Da mesma forma que a Lei 11.343/06, Lei de Drogas, necessita de uma complementação para que se possa compreender o âmbito da aplicação de seu preceito primário, este artigo 67 também precisa de um complemento secundário para dispor o que seria uma publicidade enganosa ou abusiva.
Assim, o artigo 37 do próprio Código de Defesa do Consumidor complementa esta lacuna. Vejamos:
Art. 37 — É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
Parágrafo 1° — É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Parágrafo 2° — É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Da mesma forma, o artigo 6º, inciso IV, do mesmo diploma, determina que:
Art. 6º — São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Ricardo Antonio Andreucci ainda aduz os artigos 20, 25 e 26 do Código de Auto-Regulamentação Publicitária do CONAR. Valendo transcrever:
Art. 20 — Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa ou de nacionalidade.
Art. 25 — Os anúncios não devem explorar qualquer espécie de superstição.
Art. 26 — Os anúncios não devem conter nada que possa conduzir à violência.
Neste artigo, o sujeito ativo é o profissional que faz a publicidade enganosa ou abusiva, bem como o profissional responsável pelo meio de comunicação pelo qual foi feita a publicidade. O sujeito passivo novamente é o consumidor e a coletividade.
Quanto às características dos crimes contra as relações de consumo, Brunno Pandori Giancoli e Marco Antonio Araujo Junior enumeram as seguintes [2]:
a) São crimes de perigo abstrato (basta a ação ou omissão do fornecedor para a ocorrência do delito);
b) São crimes de menor potencial ofensivo (de pena não superior a 2 anos, por isso são passíveis dos benefícios da transação penal e dos sursis processual);
c) Possuem circunstâncias agravantes para os tipos penais (artigo 76 do CDC);
d) Existem critérios de fixação da pena pecuniária (artigo 77, CDC);
e) Penas convencionais e alternativas (artigo 78, CDC);
f) Previsão de concurso de agentes, seja na modalidade coautoria, seja na participação;
g) Previsão de hipóteses de fixação da fiança (artigo 79, CDC);
h) Os crimes previstos no Código de Defesa do Consumidor são de Ação Penal Pública incondicionada, entretanto, é ampliado o princípio da assistência da acusação, permitindo como assistentes o Ministério Público e outros legitimados (artigo 80, CDC).
Bibliografia
[1]ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. Editora Saraiva: São Paulo. 2009.
[2]GIANCOLI, Bruno Pandori. ARAUJO JR., Marco Antonio. Difusos e Coletivos – Direito do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo. Elementos do Direito. Volume 16. 2009.
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. 9ª Edição. Elementos do Direito. Volume 7. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo. 2009.
MIRABETE, Julio Frabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Especial. Volume 3. Editora Jurídico Atlas: São Paulo. 2006.
MIRABETE, Julio Frabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral. Volume 1. Editora Jurídico Atlas: São Paulo. 2006.
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