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quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A polícia quer servir, mas o difícil é chegar até ela

serviço público?

O jornalista Luã Marinatto, trainee do GLOBO e leitor deste blog, viveu na pele a experiência de precisar da polícia e enfrentar aquelas dificuldades que quase todo mundo enfrenta para registrar uma queixa. Não é à toa que a subnotificação (o número de registros inferior ao de casos reais) é um problema grave, normalmente jogado para baixo dos tapetes da burocracia estatal.

É o seguinte o relato do repórter, enviado ao reporterdecrime@globo.com:

"Nós voltávamos de Paraty, onde estivemos para cobrir a Feira Literária. Após deixar umas das caronas em Campo Grande, guiei o carro rumo à Praça XV, já que os outros três passageiros desceriam no mergulhão. Devidamente desembarcados, pouco antes das 18h, dois deles dirigiram-se às escadas que dão acesso às barcas Rio-Niterói, enquanto o terceiro pegou um táxi para Laranjeiras. Tudo muito bem, tudo muito bom – um fim merecido para uma viagem cansativa, mas agradável e enriquecedora.

No instante em que sentei ao volante, ouvi um burburinho estranho. Olhei na direção do som e vi cerca de quatro menores correndo na calçada, no sentido contrário ao dos veículos. Observei, abismado, que um deles segurava a mala de minha amiga. Virei o rosto e vi, ainda mais perplexo, que outros três ou quatro jovens, quase crianças mesmo, puxavam violentamente suas bolsa e mochila. Eu já deixava o carro quando ela caiu no chão, de costas, e o grupo também fugia. Ameacei reagir e tentar persegui-los, mas o grito “a chave está na ignição”, vindo de um dos assaltantes, me fez voltar a tempo de impedir que entrassem no automóvel. Dois amigos retornaram ao carro, ele assustado e ela aos prantos, e arrancamos para procurar uma delegacia. O terceiro companheiro de viagem, ainda no táxi, me pediu que o seguisse rumo ao Catete. Tudo não durou nem 15 segundos, embora, com o perdão do lugar comum, tenham parecido muito mais do que isso.

Se o Dia dos Pais já havia ido por água abaixo, qual não foi a nossa surpresa ao percebermos, aos poucos, que a noite ainda ficaria muito pior. Devido ao nervosismo, em poucos metros me perdi do táxi. Decidimos, então, localizar por conta própria a DP mais próxima, que segundo as informações fornecidas ficava na Central do Brasil. Por não conhecer tão bem a região, demoramos a localizar a delegacia, que fica na parte de trás do terminal de transportes. Perdido, desci do carro para perguntar a um policial militar, que saboreava calmamente o seu lanche, ao lado de uma viatura. Seguiu-se um diálogo mais ou menos assim:

Eu: Estou com uma pessoa que acabou de sofrer um assalto no mergulhão.
PM: ...
Eu: A gente quer fazer um B.O. Disseram que há uma delegacia aqui na Central.
PM: Tem sim, ali atrás.
Eu: Mas será que você não pode fazer algo para adiantar? Um chamado no rádio, talvez?
PM: Você precisa ir à delegacia.
Eu: O assalto acaba de acontecer...
PM: Esse é o procedimento.

Resignado, encaminhei-me a tal DP. Após mais uns 20 minutos para encontrá-la, e outros dez esperando para ser atendido – embora fosse visível o estado emocional da vítima -, o policial recusou-se a fazer o registro de ocorrência. De acordo com ele, isso seria impossível devido à localidade do crime, e deveríamos nos dirigir para a 1ª DP, “em frente ao armazém 6 do Píer Mauá”. Ou seja, não importa se você acabou de ser assaltado e está há quase uma hora perambulando. Pelo bem das estatísticas e da fidedignidade do mapa da criminalidade no Rio de Janeiro (imagino eu), os cidadãos é que se danem.

Ao mesmo tempo em que éramos negligenciados na delegacia da Central, o amigo que havia se encaminhado de táxi para o Catete passava por experiência semelhante. Ao perguntar se existia a possibilidade de enviar uma viatura ao local do assalto, ele obteve a resposta de que esse não era o papel da Polícia Civil. No fim das contas, não deram sequer um alerta, e foi preciso plugar o celular descarregado na tomada para entrar em contato com o 190. Enquanto isso, até mesmo a atendente da delegacia afirmava que não passa mais pelo local do assalto. “É muito perigoso”, alegava.

Da nossa parte, dirigimo-nos ao endereço indicado. Depois de mais 40 minutos de voltas infrutíferas, uma surpresa: a Delegacia havia mudado de endereço, e ainda assim nos enviaram pra lá! Um ambulante, muito mais prestativo do que os policiais, forneceu as coordenadas do verdadeiro local onde estava instalada a DP. Talvez pela tensão, somada ao desconhecimento da área, mais uma vez não conseguimos encontrá-la. Por sorte, enquanto nos perdíamos, demos de frente com uma outra delegacia, situada na Rua Gomes Freire.

Como descaso pouco é bobagem, a recepção da DP encontrava-se completamente deserta, sem uma única alma viva para nos atender. Chamamos ininterruptamente por cerca de cinco minutos, tempo durante o qual duas pessoas chegaram a passar por uma porta ao fundo, ignorando solenemente os nossos apelos. Quando enfim surgiu um policial, veio com ele talvez a maior pérola da noite: “é dia dos pais, né? Estamos reunidos lá atrás para comemorar”. Pois quer dizer, então, que a partir de hoje os criminosos tiram folgas nas datas importantes? Decerto o nosso problema já não exigia medidas emergenciais, sobretudo após duas horas de idas e vindas inócuas. Mas e se a queixa fosse mais urgente, tornando cada minuto precioso? Será mesmo que a distração dos policiais vale mais do que o bom cumprimento da profissão que cada um deles escolheu voluntariamente seguir?

Conseguimos fazer o B.O., tarefa que, apesar de árdua, não durou em si mais de dez minutos. Se o assalto fora antes das 18h, a noite já circundava as 20h, tornando, por motivos óbvios, a recuperação dos pertences da vítima muito mais improvável. Isso sem dizer que, pela forma com que o assalto aconteceu, de forma alguma a ação é uma coisa rara no local – fato comprovado pela declaração da própria atendente da delegacia no Catete. O retrato da noite veio na forma do aviso dado pelo policial, ao se despedir: “Cuidado ao andar por aí. As ruas ficam muito desertas e perigosas nas noites de domingo, ainda mais pela data especial”. Pelo visto, um conselho clichê é o máximo que a polícia carioca pode fazer pela população."

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Fonte: http://oglobo.globo.com/rio/ancelmo/reporterdecrime/

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